Foi amor à
primeira vista, dessas coisas que só o Espiritismo explica.
Tão logo se
conheceram, Lauro e Cássia sentiram irresistível encantamento. Não era do tipo
paixão, na ardência do desejo que se esvai com a satisfação dos sentidos, mas
aquele amor autêntico, que transcende os limites da atração física para
fixar-se, imortal, na intimidade do coração.
Logo
começaram a namorar, experiência sublime de almas afins que se encontram.
À luz da
Doutrina Espírita, diríamos, com maior exatidão, almas afins que se
reencontram. Somente uma convivência milenar nos domínios do afeto poderia
justificar tão terna ligação.
Havia um
problema.
Ela era
pobre e ele rico, família abastada, tradicional, ciosa da ilusória nobreza
sustentada pelo dinheiro.
Sua mãe,
Matilde, viúva de filho único, ao saber do namoro passou a pressionar Lauro.
– Essa moça
não serve para você – dizia impositiva.
– Mas,
mamãe, Cássia é a mulher de minha vida. Eu a amo com todas as forças de meu
coração.
– Tolice! De
outras vezes você esteve apaixonado e logo passou.
– Desta vez
é diferente. É amor mesmo, mamãe. Pretendo casar-me com ela!
– Não admito
tal loucura!
– A senhora
não pode impedir. Sou maior de idade, tenho meus direitos.
– Pois bem,
se é assim, escolha: ou fica comigo, tendo as mordomias de sempre, ou com essa
mulher, e não terá um tostão de meus haveres.
– É o que a
senhora quer?
– Sim.
– Então
saiba que prefiro ficar com Cássia.
Pouco depois
Lauro e Cássia casaram-se, cerimônia simples, poucas pessoas, amigos íntimos,
familiares da noiva… mãe do noivo ausente.
Matilde
viajara para não participar daquela união que tanto a contrariava. Via na jovem
que conquistara o coração de seu filho uma aventureira disposta a dar o golpe
do baú.
Nem mesmo
quisera conhecê-la.
Lauro e
Cássia instalaram-se em cidade distante, existência feliz, logo abençoada pelo
nascimento de Silvinha, linda menina.
Quanto a
Matilde, seguiu solitária, dominada pela nostalgia, saudade imensa do filho que
situara por ingrato, mas irredutível em sua orgulhosa decisão de manter-se
afastada do casal.
Nem mesmo
quando soube do nascimento da neta dispôs-se a superar a animosidade gratuita
pela nora, sempre a responsabilizá-la pelo afastamento do filho.
Sete anos
passaram céleres, sem que Matilde se dispusesse a modificar sua postura
intransigente.
Então recebeu
uma carta, letrinha infantil:
– Querida
vovó, estou escrevendo para dizer que esperamos sua visita. Mamãe diz que você
é uma pessoa boa, que ama a todos nós, mas é muito ocupada. Por isso peço
sempre a Jesus que lhe dê um tempinho para nos ver. Amamos você.
Espesso véu
de lágrimas cobriu os olhos de Matilde, que mal conseguiu ler as últimas
palavras.
– Muitos
beijos, vovó! Não esqueça: quero ver você! Com carinho, Silvinha.
Comportas
abertas pela simplicidade amorosa de uma criança, Matilde derreteu o orgulho em
lágrimas ardentes, reconhecendo seu engano em relação à nora.
Uma jovem
repudiada pela sogra que cultivava na filha o carinho pela avó não seria uma
simples nora, mas uma filha muito querida que ela obstinadamente rejeitara.
Dias depois,
Cássia, Lauro e Silvinha realizavam o Evangelho no Lar, quando bateram à porta.
Silvinha
atendeu de pronto e deparou-se com sorridente senhora, que trazia vários
embrulhos de presentes.
– Oi, Silvinha,
estou aqui, atendendo ao seu pedido.
– Vovó?!
– Sim, minha
querida!
Um longo e
forte abraço selou o início de uma intensa ligação entre neta e avó, ante o
olhar surpreso e emocionado do casal.
Após abraçar
o filho, Matilde abraçou mais fortemente a nora, derramando-se em lágrimas.
– Deus a
abençoe, minha filha, por relevar as impertinências desta velha e pela
orientação que deu à minha neta.
***
O orgulho
costuma erguer pesadas barreiras que impedem um relacionamento familiar feliz,
mas nem tudo estará perdido se não for tão grande que mantenha selada a fonte
das lágrimas ante os apelos do coração.
***
Richard Simonetti
e-mail:
richardsimonetti@uol.com.br
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