Residiam os três,
marido, esposa e filhinha, num casebre situado em zona rural. O sítio era do
patrão e o salário irrisório, ganho com muito suor, mal atendia as necessidades
prementes.
Certa tarde, enquanto o
chefe da casa trabalhava no cafezal distante, a mulher, trazendo a menina nos
braços, aproximou-se das margens de largo rio, à procura de arbustos
medicinais. No barranco alto foi acometida de vertigem. Mãe e filha precipitaram-se
nas águas caudalosas...
Horas mais tarde, o
pobre homem, transido de dor, viu os corpos serem retirados do rio e
transportados para o cemitério. Dominado pelo desespero, colheu ervas venenosas
e preparou bebida fulminante que ingeriu sem vacilar. No entanto, socorrido a
tempo, foi internado num hospital onde permaneceu longos dias.
Restabelecido, não
regressou à fazenda. Desorientado, assumiu a condição do viajor intranquilo,
como se pretendesse fugir de si mesmo, mas sempre perseguido pela sombra da
tragédia, incapaz de retornar à normalidade. Para agravar seus padecimentos,
passou a sofrer estranhas convulsões, à maneira de crises epilépticas. Com
semelhante mal, era sistematicamente despedido dos raros empregos que surgiam,
descendo à indigência.
Um dia, esteve no Albergue
Noturno, em Bauru. O
assistente encarregado de orientar e confortar os viajores, que por ali transitavam
ouviu o relato de sua desdita, após o que o infeliz concluiu:
— Sou um desgraçado!...
Minha existência está perdida!... A saudade é fel que me amargura os dias! E as
atribulações que venho sofrendo!... Tenho passado fome e sido acusado de malfeitor!...
Não quero continuar no mundo!...
Notando que a perigosa
ideia de auto aniquilamento o estava rondando, o assistente comentou a loucura
do suicídio e suas funestas consequências para quem entra por essa porta falsa.
Mostrou-lhe magnífico desenho mediúnico de Jesus, que havia no refeitório, e o
exortou a confiar no Mestre Supremo. Falou-lhe longamente, envolvendo-o e vibrações
balsâmicas e alentadoras de sincera compaixão. O ex-sitiante ouviu atento,
contemplou a figura do meigo Rabi e, sentindo-se possuído de novo ânimo,
ponderou:
— O senhor tem razão...
É um pecado desesperar-se assim, quando o Filho de Deus, que tanto sofreu,
nunca perdeu a coragem. É que a gente é fraca e há momentos em que tudo fica
tão escuro, parece tão difícil, que só se pensa em loucuras. Muito
obrigado por suas palavras. Deus o abençoe pelo conforto que me proporcionou.
Sabe moço? Eu tenho muita fé em
Jesus. Ele há de ajudar-me a encontrar um caminho...
***
Experiências dolorosas
como a desse homem advertem-nos de que, diante da adversidade, a inconformação
e o desespero são agentes terríveis que complicam o destino.
Certamente fazia parte
do quadro de suas provações a perda da esposa e da filha em tão trágicas
circunstâncias. Eram naturais o sofrimento intenso e a angústia da separação.
Mas, faltando-lhe no momento crucial a confiança plena nos desígnios divinos,
perdeu o controle de si mesmo e tentou desertar da vida.
A partir de então,
começou a sofrer as convulsões, fruto da extremada excitação a que se entregou,
a qual, agravada pela tentativa de suicídio, terá favorecido o assédio de
entidades inferiores e a evolução de distúrbios nervosos que abriram campo à
epilepsia. Daí à indigência foi um passo.
— A provação foi muito
grande! — dirá alguém.
Todavia, uma das
primeiras lições que a Doutrina Espírita ensina é que Deus não nos sujeita a sofrimentos
superiores às nossas forças, e, se santos não somos, estejamos certos de que
teremos programado atribulações que chegarão no tempo certo, por ensejo de
resgate e reajuste. Então testemunharemos nossa confiança no Pai celeste, nossa
crença, nossa fé.
E aquele homem, onde
estará agora? Bem, no dia seguinte deixou o albergue e talvez fosse o visitante
humilde que nos solicitou a bênção de uma refeição, quando fechamos a porta,
após comunicar-lhe que não havia sobras...
É possível que fosse a
figura solitária e triste que desejava uma informação na via pública, quando
estugamos o passo, fingindo ignorá-lo... Quem sabe fosse o infeliz de pernas
trôpegas que caiu pesadamente à nossa frente, quando nos desviamos, sem cogitar
de socorrê-lo... Julgando apressadamente, justificamos a
própria omissão proclamando:
— Ora, é um
vagabundo!... É um malandro!... É um alcoólatra...
E Jesus, em quem ele
disse confiar? Jesus, de quem esperava amparo? Jesus, que era sua esperança?
Jesus era aquela voz que
no íntimo de nosso coração suplicava:
— Atende-o! É teu irmão!
Richard Simonetti
e-mail:
richardsimonetti@uol.com.br
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